Lembro que o glossário é o ponto de apoio para a leitura. Todos os termos constantes no glossário são sublinhados no decorrer dos textos do blog – veja em “categorias” – coluna à direita – e clique em glossário e comentários.
Para facilitar a leitura, apresento o resumo do início da teogonia postada anteriormente:
Caos gerou Gaia, Érebo, Nix e, também, Tártaro e Eros (o Amor Antigo);
Gaia gerou Urano e com ele gerou 18 filhos, sendo Crono o mais novo, o que castrou o pai, criando, assim, o espaço entre o Céu e a Terra e permitindo que esta fosse povoada pelas divindades então geradas.
Estamos no ponto em que Crono, tendo derrotado o pai e assim libertado Gaia, sua mãe, do seu jugo, possibilitou o nascimento de seus inumeráveis irmãos. E, naturalmente, toma o poder em suas mãos.
Ah… o poder… a tenaz armadilha que se estende por gerações de deuses e homens, quantas vezes ceifando a verdadeira felicidade… isso será um dos temas principais de nossos futuros estudos.
Mas voltemos aos fatos, digo… ao mito:
Crono toma o poder e se casa com Réia, uma de suas irmãs. Com ela tem seis filhos: Héstia, Hera, Deméter, Hades, Posídon e Zeus. Evidentemente, sabe que estará sempre ameaçado, já que as Erínias o perseguem: está predestinado a que um de seus filhos lhe tome o poder, vingando, assim, o que ele próprio fizera com o pai. Buscando livrar-se do destino, Crono lança no Tártaro seus irmãos, os Ciclopes e os Hecatonquiros, preservando apenas os Titãs, irmãos em quem confiava, desfazendo-se do que considerava uma ameaça. E, para certificar-se de que seria o único Senhor do Universo, passou a engolir os filhos, tão logo nasciam.
É nesta fase que apresentamos Réia, sua esposa, com um perfil diferente de Gaia. Para livrar-se da opressão de Urano, Gaia apela para Crono, seu último filho, dando-lhe condições para que ele derrote o pai. Réia, ao contrário, toma para si a atitude de salvar seus filhos.
Segundo as palavras de Vernant, ela “opõe a Crono aquilo mesmo que o define, pois ele é um deus da astúcia, um deus da mentira e da duplicidade”(cf. 2000, 30).
Réia tinha de apresentar seus filhos a Crono, tão logo nasciam e ele os engolia, aprisionando-os em seu ventre. Ao ficar grávida de Zeus, no entanto, foge para a ilha de Creta e é lá que lhe dá à luz, entregando-o às Náiades para que ele cresça em segurança. Em seguida, apresenta-se a Crono e lhe dá uma pedra enrolada em panos de linho, no lugar do filho. Crono não percebe o ardil e a engole. Zeus cresce, assim, longe de seu conhecimento, até tornar-se adulto e forte o suficiente para enfrentar o pai.
E é graças à astúcia, mais uma vez, que Crono é vencido. Aconselhado por Métis (Prudência), Zeus recebe dela uma droga que dá a Réia para que esta a ofereça ao pai. Segundo Vernant, Métis representa uma “forma de inteligência que sabe combinar de antemão procedimentos de vários tipos para enganar a pessoa que se tem diante de si” (2000, 31). Réia oferece a droga ao marido, dizendo que é uma beberagem divina. Na realidade é um vomitório e Crono vomita todos os seus filhos que se libertam, assim, para a luz.
Todos os irmãos, naturalmente, se colocam ao lado de Zeus, contra o pai e começa, então, uma grande luta. Zeus consegue libertar do Tártaro os Ciclopes e os Hecatonquiros (que haviam sido lançados lá por Crono). Assim, a batalha se estabelece tendo, de um lado, Crono e seus irmão, os Titãs e, do outro, Zeus, seus irmãos e mais os Ciclopes e os Hecatonquiros. Os ciclopes presenteiam Zeus com o raio, que, mais tarde, se transformará numa das mais importantes representações de Zeus, no Olimpo. Após muitos anos de batalha (dez grandes anos – cada ano durava cem anos ou mais), Crono é enfim destronado e os Cronidas (assim se chamavam Zeus e seus irmãos) tomam o poder do Universo. Crono e todos os Titãs são arremessados ao mundo subterrâneo do Tártaro e em torno deles Posídon constrói um triplo muro de bronze e nomeia os Hecatonquiros para guardarem esse muro para sempre para que os Titãs não possam mais vir à luz.
Três irmãos se destacam entre os Cronidas: Zeus, Hades e Posídon. O Universo é, então, dividido entre eles e, por sorteio, cabe a Hades as profundezas subterrâneas (Hades), a Posídon o Mar e a Zeus o Olimpo, tornando-se, assim, o deus dos deuses e dos homens. Outra versão é a de que Zeus, tendo sido o grande libertador dos irmãos e quem os dirigiu à vitória, teve, por direito, assumir a soberania e coube a ele distribuir entre os deuses as honras e os privilégios. Fez-se Senhor do Olimpo, e concedeu a seus irmãos os lugares no Universo, de acordo com sua astúcia e sabedoria. A soberania de Zeus passou a ser preservada, desde então, pois, ao contrário de seus antecessores, ele mostrou-se como um libertador entronado por seus pares. É tido como aquele que distribui com sabedoria e justiça as honrarias e privilégios a cada um, segundo seu merecimento.
Cabe-lhe, no entanto, precaver-se para que com ele não se repita o mesmo destino que coube a seus antecessores, Urano e Crono. Como evitar esse destino e tornar-se para sempre o Senhor do Olimpo, que não seja destronado por um de seus filhos ou por algum rebelde que o possa trair futuramente? Esta questão é primordial ao nosso entendimento, para fecharmos o significado da Teogonia.
Segundo as palavras de Vernant, “Zeus não podia ser um soberano como os outros. Precisava encarnar a soberania em estado puro, uma força de dominação permanente e definitiva.” (2000, 39)
Casa-se, então, com Métis (a astúcia, a capacidade de prever os acontecimentos). Métis engravida imediatamente e Zeus teria de usar de sua astúcia para evitar para todo o sempre que o destino de seus antecessores se repetisse, que o fruto desse casamento o destronasse. Zeus concebe que não basta ter a seu lado a astúcia. Ele precisa “encarnar” em si mesmo a astúcia para sempre. Usando de sabedoria e prudência, sabe que precisará empreender o grande desafio de conseguir ser tão astuto quanto sua própria esposa para merecer conter este sortilégio como mais uma marca de sua personalidade. E o consegue, através do seguinte ardil: seduz Métis a tomar várias formas, como se fosse um jogo, incitando-a a transformar-se, primeiro, em um leão que cospe fogo. Métis, o faz. Depois, pergunta-lhe se, tendo se transformado em uma fera tão terrível, seria capaz de fazer algo extremamente oposto, como transformar-se em uma gota d’água. Métis, levada pelo jogo, se transforma. Tão logo o faz, Zeus a sorve. Sorve, deste modo, toda a astúcia necessária para ser ardiloso e capaz o suficiente para jamais ser derrotado, pois passa a ter a capacidade de prever todos os acontecimentos e precaver-se de qualquer ardil que tente derrotá-lo.
Mas Zeus, agora ainda mais astuto, não se conforma com apenas isso e concebe que há mais uma parte importante a se cumprir: Métis estava grávida de Atená e, como Zeus a sorveu, está grávido indiretamente de uma filha. Mas esta filha nascerá do próprio pai, especificamente, da cabeça do pai. Chegada a hora do nascimento, Zeus grita de dor e chama para socorrê-lo seu filho Hefesto e também Prometeu. Eles o socorrem e lhe dão uma pancada com um machado duplo (o machado duplo tem características iniciáticas, segundo a civilização cretense) em sua cabeça que se abre e de lá sai a jovem Atená adulta, armada com sua lança e seu escudo.
Assim, toda a astúcia do Universo está concentrada em Zeus e sua filha Atená, que o ama acima de todas as coisas e estará sempre a seu lado, sob qualquer circunstância. Ele está, enfim, duplamente protegido e nada poderá surpreendê-lo, resolvendo, deste modo, para sempre, a questão de sua soberania.
Muito embora nunca se sinta ameaçado, Zeus, pelas características da formação de sua personalidade, permanece um deus justo e ocupado com as questões dos deuses e dos homens, sempre buscando a prudência e a sabedoria para contemporizar e executar seus atos. Desta forma, permanece no Olimpo, venerado, amado e, ao mesmo tempo, temido pelos deuses e pelos homens.
Assim termina a história da formação do universo dos deuses, sob a direção de Zeus, segundo a mitologia grega. Muitos detalhes foram omitidos, pois o que nos interessa é a cadeia dos principais fatos que se mostrarão como panos de fundo para as histórias dos deuses e dos homens, encarnados, principalmente, na figura dos heróis. Em nossa próxima postagem, faremos algumas considerações a respeito dos heróis.
Resumo da Teogonia:
Caos gerou Gaia, Érebo, Nix e, também, Tártaro e Eros (o Amor Antigo);
Gaia gerou Urano e com ele gerou 18 filhos, sendo Crono o mais novo, o que castrou o pai, criando, assim, o espaço entre o Céu e a Terra e permitindo que esta fosse povoada pelas divindades então geradas.
Crono casa-se com Réia e passa a devorar todos os filhos, tão logo nasciam, com medo de ser destronado, como ocorrera com o pai. Zeus foi poupado por sua mãe que entrega uma pedra envolta em linho para ser devorada em seu lugar. Ao tornar-se adulto, aconselhado por Métis, Zeus dá a sua mãe uma droga para oferecer a Crono. A droga o faz vomitar todos os filhos (os Cronidas), que se aliam a Zeus para destronar o pai.
Após muitos anos de batalha, os Cronidas destronam Crono que é lançado com seus irmãos Titãs ao Tártaro, ficando preso aí para sempre.
Zeus mantém a sua soberania graças a astúcia de ter-se casado com Métis, sorvido e encarnado a astúcia em seu estado puro e tendo gerado, ele próprio, o fruto desse casamento, na figura de Atená, que se torna a maior defensora de seu poder e domínio. Deste modo, o poder do Olimpo estará preservado para Zeus para sempre e assim se conserva por toda a história da mitologia grega.
Considerações finais:
Entre os vários pontos que poderão servir a nossos futuros estudos, gostaria de ressaltar do texto a fúria de Urano que tem, como consequencia, o nascimento das Erínias (Éris, em geral) inaugurando a noção de crime e castigo.
Outra questão a ser levantada é o pano de fundo que move toda a criação – o sentimento de ” poder sobre o poder”, que atravessa a história de toda a Teogonia. Um poder que se transforma em sua essência, pelas várias posturas que acompanhamos pelas trajetórias de Urano, Crono e Zeus.
É o sentimento de poder que prevalece nas histórias que compõem as duas grandes famílias mitológicas humanas, o que torna fundamental o viés que queremos apresentar nos estudos que nos propomos fazer no decorrer dessas postagens. Eis as duas famílias:
A família das Atridas, que tem como um dos principais personagens a figura de Agamemnon, cantada por Ésquilo em suas tragédias – ressaltando a trilogia de Ésquilo: Oréstia; a família dos Labdácidas, que tem como um dos principais personagens Édipo, tão conhecido por todos nós.
Gostaria de analisar o poder que cabe a Agamemnon como representativo da ânsia de poder sobre os homens.
Ousadamente, prefiro denominar o poder de Édipo como uma busca de poder sobre si mesmo, o que me faz denominá-lo, ao contrário do senso comum estabelecido, como o herói do livre arbítrio e não o herói escravo de seu próprio destino. Teremos oportunidade de discutir e comentar isso oportunamente.
Em suma, esta postagem visa destacar:
A criação das Erínias (com o conceito de crime e castigo)
A ânsia pelo poder (que move deuses e homens em seus destinos)
Uma proposta de estudo sobre o poder sobre os homens e o poder sobre si mesmo (este último como busca do auto-conhecimento – objetivo primeiro de nosso blog).
(Se quiser, deixe seu comentário no link “comentários” , abaixo, logo após as referências bibliográficas – eles me ajudam a avaliar as postagens. Obrigada)
Referências bibliográficas:
Brandão, Junito de Sousa. Mitologia Grega, vols. 1, 2 e 3. Petrópolis, Vozes, 1986.
Grimal, Pierre. Dictionnaire de la mythologie grecque et romaine. Paris, Presses Universitaires de France, 5 ed., 1976.
Vernant, J-P. O universo: os deuses, os homens, S. Paulo, Companhia das Letras, 2000.
Achei muito interessante
Obrigada, querida!
Impossível esquecer daquele tempo e daquelas aulas, com você sentada ao meu lado!!!
beijos
Adorei estar aqui!!! me senti em plena aula de grego do prf. Junito Brandão…com você sentada ao meu lado como sempre!
Que bom recordar essa época. bj